letra
Por Um Dia de Graça
Luiz Carlos da Vila
Um dia, meus olhos ainda hão de ver
Na luz do olhar do amanhecer
Sorrir o dia de graça
Poesias, brindando essa manhã feliz
Do mal cortado na raiz
Do jeito que o mestre sonhava
O não chorar
E o não sofrer se alastrando
No céu da vida, o amor brilhando
A paz reinando em santa paz
Em cada palma de mão,
cada palmo de chão
Semente de felicidade
O fim de toda a opressão,
O cantar com emoção
Raiou a liberdade
Chegou o áureo tempo de justiça
Ao esplendor, do preservar a natureza
Respeito a todos os artistas
A porta aberta ao irmão
De qualquer chão, de qualquer raça
O povo todo em louvação
Por esse dia de graça
Graça do Mundo
Luiz Carlos da Vila
Eu não pretendo pra mim
Toda graça do mundo
Minha primeira instrução foi saber dividir
Dividir o meu pão com um amigo e um irmão
Dividir meu sorriso e a minha canção
E assim dividindo eu somo alegrias ao meu coração
Eu respeito em cada homem a sua verdade
Mas hão de convir que a felicidade
Não tem nada haver com o fechar das mãos
Está aí a natureza
Dividir conosco
A gente usufrui e nem paga imposto
Pena que muitos não querem saber
Por isso eu chamo atenção
Ao bom senso comum
Vamos um por todos
E todos por um
Chegar a um acordo por um bom viver
Flor da Esperança
Luiz Carlos da Vila
Com amor, eu sou muito mais você e eu
Sei que a flor da esperança ainda não morreu
É preciso em cada amanhecer
Recolher tudo de bom que há
Está no ar a força e a magia
E não é difícil de pegar
Com amor e muita energia
Ver um mundo novo então chegar
Morro Molhado
Luiz Carlos da Vila
Que morro molhado danado
Manhã, céu cinzento, é chuva que vem,
Espero bom tempo, bom tempo não vem,
A roupa na corda, Maria vai lá,
Depois vem comigo, esquecer o azar.
Eu não me levanto, não vou trabalhar,
Tenho muito medo de escorregar,
Depois vai ter samba na quadra de ensaio
E no morro molhado, eu caio
Mas vê que pirraça do tempo sem sol
Goteiras soluçam por sobre o lençol
Então chateado, levanto e saio
E no morro molhado, eu caio
Já vem o domingo, eu não vou sambar
Pedaço da vida que me vou furtar
Maria me chama pra esquecer o azar,
Eu resmungo que morro molhado danado,
Que morro molhado danado
Que morro molhado danado
Das Origens
Luiz Carlos da Vila
O samba que desde a origem é arte
Das coisas boas da vida é parte
O negro na antiga senzala
Um canto entoava e batia com a mão
Pra aliviar a tensão
O negro plantava a lavoura
E as raízes profundas de uma canção
Morre a planta o samba não
O samba...
Um violão afinado, um cavaco enfezado
Meu Deus como é bom
Logo inspirado fico então
Penso no cotidiano
Naquela que amo e não demora não
Se abre em versos meu coração
Braços de Lã
Luiz Carlos da Vila
Quero viver em ti
De noite ou de manhã
Sentindo o calor
Dos teus braços de lã
Encher com a poesia do meu interior
As taças da alegria
num brinde ao nosso amor
Se és um beija-flor
Eu sou a flor que dá
O néctar de um bem
Que não se extinguirá
Se o pássaro sou eu, então és no jardim
A eterna flor que Deus legou a mim
Sinto amor de verdade
Abrindo-me as portas do coração
És a felicidade com que eu tanto sonhei
És um sol de alegria que afastou de mim
Toda a escuridão
Sou feliz pois morreu a solidão
A Cigarra e o Samba
Luiz Carlos da Vila
Que bom ser é a cigarra
Que está sempre a anunciar
Bom tempo se de lá vem chuva
Ou o tempo é uma uva
Pra gente nadar
A solidão e a farra
Narra ela em seu cantar
O tempo de sol ou de chuva
Cai como uma luva pra gente sambar
Em algum lugar do planeta
A cigarra canta todo dia
O samba não é um cometa
É o sol que abrilhanta todo dia
E desafia ao cantar
Em tempos de pouca alegria
Sé pra morrer morrerá
Com melodia
Desata esse nó da garganta
E imita a cigarra meu compadre
O samba é vinho
Que bebe o herege e o frade
E todo dia em louvor com artimanha
Ele invade
Se é pra viver viva a felicidade
E todo dia...
Diamante
Luiz Carlos da Vila
Queria que você saísse
Dessa letargia e sentisse
Que existe algo pelo ar
Que tentasse enxergar mais longe
Que lesse um livro aonde
Pudesse aprender algo mais
Você deve ir lá na rua
Da vida do mundo e na rua
E sair desse ouvi falar
E ver verdade tão clara
Que a paz e o amor não é para
A gente somente sonhar
Nós temos que ter voz ativa
Só não deve ser tão altiva
Pra ninguém se constranger
A vida é um diamante
Que fica ou não mais brilhante
Depende do nosso viver
Meu Conto
Luiz Carlos da Vila
Meu canto é o tal passarinho
Que não quer gaiola, gaiola
As cordas da minha viola não vão violar
Se caio levanto e guardo na minha caixola
A lição dessa vida escola
E ponho no samba pro povo cantar
Que não seja um sonho
Ver um colibri na varanda
Que a flor do amor entre nós se agiganta
E nos quatro cantos espalha perfume no ar
Que a cada dia reviva em nós a esperança
Tristeza se torne a bem aventurança
E a dor aliança que caiu no mar
Meu canto é o tal passarinho
Que não quer gaiola, gaiola
As cordas da minha viola não vão violar
Se caio levanto e guardo na minha caixola
A lição dessa vida escola
E ponho no samba pro povo cantar
Eu quero é saber que a felicidade domina
Que há um sambista vivo em cada esquina
Que há liberdade no trono da vida a reinar
Que a estrela da paz ilumine a imensidão
Que lê nos jornais que houve uma explosão
Mas de alegria do povo a cantar
Nas Veias do Brasil
Luiz Carlos da Vila
Os negros trazidos lá do além mar
Vieram para espalhar
Suas coisas transcendentais
Respeito ao céu, à terra e ao mar
Ao índio veio juntar
O amor à liberdade
A força de um Baôbá
Tanta luz no pensar
Veio de lá
A criatividade
Tantos o preto velho já curou
E a mãe preta amamentou
Tem alma negra o povo
Os sonhos tirados do fogão
A magia da canção
O carnaval é fogo
O samba corre,
Nas veias dessa Pátria mãe gentil
É preciso a atitude
De assumir a negritude
Pra ser muito mais Brasil
Você Não É Boa Atriz
Luiz Carlos da Vila
Você já não me comove mais,
Cansei quero agora ser feliz
Já tirei seu filme de cartaz
Você não é boa atriz
Uma bela história que eu bolei
Errei ao lhe dar o papel principal
Sobre meu terno de linho
Jogou um copo de vinho
No meio do pessoal
Agora, nem figurante sequer será
É folha que ao despencar
Se perdeu no vendaval
A vela acesa de um grande amor
Foi você que apagou
E quebrou o castiçal
Terceiro Ato
Luiz Carlos da Vila
No primeiro ato
O fogo ardia em tal profusão
Uma desarmonia assim por dizer
Ao sabor da paixão
O fogo e a saudade
A extremos levados
Murmúrios morrendo
Nos lábios colados
Não demorou muito
A explosão e o sono
Dois corpos cansados
No segundo ato
Mais cancha e o domínio
Então nas ações
Mais calma, mais dengo
Entregas e fugas
Pés no céu, mãos no chão
E o fogo e a saudade
Então se harmonizam
Encontram os extremos
Com mais poesia
De versos mais longos
Que ao dar-se a explosão
Já amanhecia
Chuveiro ligado
Convite à partida
Olhares trocados
Era o desafio aos extenuados
Que aplaudidos
Jaziam no palco do amor
Veio a luta de corpo e de alma
Numa briga de foice
Os dois vencedores
Vivemos de fato o amor dos amores
No terceiro ato
Doce Refúgio
Luiz Carlos da Vila
Sim (ora, se sim!), é o Cacique de Ramos,
Planta onde em todos os ramos
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) do samba é alta bandeira
(eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
Seus compositores aqueles
Que deixam na gente aquela emoção
Seus ritmistas vão fundo
Tocando bem fundo em qualquer coração
É uma festa brilhante
Um lindo brilhante mais fácil de achar
É perto de tudo, é ali no subúrbio
Um doce refúgio pra quem quer cantar
É o cacique
Sim (ora, se sim!), é o Cacique de Ramos
(fala, Cacique de Ramos!),
Planta onde em todos os ramos
Cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira
(eu falei pra você que é alta bandeira)
E até as tamarineiras são da poesia guardiãs
É o Cacique pra uns a cachaça pra outros
A religião
Se estou longe o tempo não passa
E a saudade abraça o meu coração
Quando ele vai para as ruas
A vida flutua num sonho real
É o povo sorrindo e o Cacique esculpindo
Com mãos de alegria o seu Carnaval
É o Cacique
Duas Saudades
Luiz Carlos da Vila
Assim vou vivendo a vida entre duas saudades
Saudade de dentro, saudade que invade
De dentro pra fora o meu coração
Às vezes eu sinto que essas estranhas verdades
São faces opostas da realidade
Da felicidade pela contramão
Maldade é passar a vida sem sentir saudade
Saudade do amor ou de uma cidade
Que embale e a abala como as criaturas
Saudade do que não viveu
Saudade do que não perdeu
Saudade só vale a pena se abala a estrutura
Saudade tem dó, já doeu
Saudade é dos homens e Deus
Deixou na saudade dizer
se a saudade tem cura